O
Ano Litúrgico atualiza, no tempo, do ponto de vista litúrgico teológico, o
Mistério Pascal de Jesus Cristo. Já, do ponto de vista pastoral, o Ano
Litúrgico pode ser proposto como a coluna vertebral da espiritualidade de uma
paróquia, como a dinâmica que conduz e dá sentido ao tempo histórico da vida
eclesial da comunidade.
O
desafio de celebrar o cotidiano
O Ano Litúrgico dita o ritmo das
celebrações que ilumina a vida espiritual e a vida cotidiana do cristão, com
seus momentos de solenidade e de festa, com seu grande tempo de discipulado, no
Tempo Comum, com seus momentos penitenciais e aquele da esperança. A Pastoral
Litúrgica (PL), portanto, não pode contentar-se com a rotina de realizar
celebrações programadas pelo Diretório Litúrgico. Mais que isso, é tarefa da PL
ajudar a comunidade a viver momentos festivos, penitenciais, de esperança, do
discipulado. Não apenas celebrar, mas vivenciar. É uma atividade, infelizmente,
pouco considerada em muitas comunidades, especialmente naquelas, nas quais a
atividade da PL limita-se a preparar celebrações e, naquelas, com atividades
ainda mais limitadas, de encontrar leitores e cantores para as celebrações.
A atividade da PL, em favorecer a
vivência, no ato celebrativo e no pós celebrativo dos tempos litúrgicos, pode
ser considerada uma atividade central da Pastoral Litúrgica Paroquial. Uma atividade
que precisa ser cultivada com estudos, reflexões e aprofundamentos. Uma atividade
que se realiza sem os “efeitos especiais” de celebrações para emocionar ou
impressionar, porque é um desafio que consiste em prolongar os efeitos da
celebração no decurso da lida cotidiana. Uma PL ativa, do ponto de vista
litúrgico, reconhece que somente em circunstâncias pontuais celebra momentos
fortes da fé, mas a maior parte da sua atividade concentra-se na simplicidade
do cotidiano. É na proposta de produzir a vivência cristã, pelo discipulado, na
vida cotidiana, que se encontra o grande desafio da Pastoral Litúrgica Paroquial.
Para tal finalidade, a PL conta com a dinâmica do Ano Litúrgico .
Itinerário
de fé e santificação
A reforma da Liturgia (1964) propõe
o Ano Litúrgico, a celebração do Mistério de Jesus Cristo no tempo histórico,
como um itinerário de fé e de santificação. Embora uma proposta muito bonita, parece
que a mesma não conseguiu atingir algumas Pastorais Litúrgicas Paroquiais por
estarem mais preocupadas, não com o novo da fé e da santidade, mas com a
novidade de inventar ritos com criatividades pouco ou nada litúrgicas.
O “programa” do itinerário de fé e
de santificação proposto pelo Vaticano II, na Sacrosanctum Concilium, e em
tantos outros documentos litúrgicos, baseia-se na Palavra de Deus, distribuída
nas celebrações (especialmente na Missa) para maior proveito dos celebrantes. Para
isso, é necessário propor a Palavra com profundidade e, isto, significa com
conteúdo, não somente na homilia, mas em tudo aquilo que compõe a celebração:
nos ritos, nas canções, nas monições...
Na Missa Crismal de 2018, Papa
Francisco dizia que a resposta vocacional autêntica do padre imita o Jesus
Cristo andarilho e pregador do Evangelho. Neste sentido, o Papa falava de um
“padre de rua”. Assim como tem moradores de rua, digo eu, assim tem o “padre de
rua”, que fala a linguagem do povo, que conhece a palavra do povo e a ilumina
com a Palavra de Deus. A celebração é local onde ecoa a Palavra de Deus para
iluminar a palavra do povo, quer dizer, iluminar o modo com que o povo fala sua
vida. Na mesma reflexão, Papa Francisco afirmava que “a homilia é a expressão
do padre que conhece a vida do povo”. Para isso, o padre necessita ir ao povo,
estar com o povo, viver no meio do povo e, igualmente, conhecer a Palavra, o
que acontece pela oração, pela Lectio Divina, pelo estudo. Tal enunciado pode
ser estendido à atividade da PL: conhecer a palavra do povo para ajudá-lo a
dialogar com a Palavra de Deus.
A
espiritualidade do Ano Litúrgico
O Ano Litúrgico é a fonte da
espiritualidade da vida paroquial. Já comentei em outra oportunidade, que a
maior parte dos paroquianos alimenta sua vida espiritual pela Liturgia. E que
tal nutrição inspira-se no Ano Litúrgico. É um desafio.
Um desafio tamanho onde se nota,
aqui e ali, o “uso” do Ano Litúrgico como agenda celebrativa, mas a preferência
é pela espiritualidades de movimentos, de grupos, com celebrações feitas ao
gosto de padres ou de líderes de algum movimento, e não com a espiritualidade
litúrgica, que é a espiritualidade da Igreja. “Per carità”, como dizem os
italianos, não se entenda que estou detonando a espiritualidade de tais grupos,
mesmo porque toda espiritualidade autêntica é profética numa comunidade, como
também é verdadeiro que toda espiritualidade autêntica bebe da fonte espiritual
celebrada no Ano Litúrgico.
Volto a dizer que existe um desafio
grande em nossas comunidades: tornar o Ano Litúrgico aquilo que é: fonte de
vida espiritual para o crescimento na fé e na santificação das pessoas. Faço
esta ressalva porque percebo pouco empenho nas atividades de muitas Pastorais Litúrgicas
paroquiais neste sentido, uma vez que a maior parte delas atua como organizadora
de celebrações. O desafio da Pastoral Litúrgica Paroquial é bem maior que
atuar, apenas, na organização de celebrações. O desafio consiste em ajudar os
celebrantes a vivenciar na vida concreta o que celebram no decorrer do Ano
Litúrgico para crescer na fé e na santidade.
Serginho Valle
Março de 2018
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